Bairro na Zona Norte de Porto Alegre abriga nove microcervejarias.
Premiadas em festivais, bebidas ganham fama e atraem turistas.
Depois do vinho, cuja produção fez da Serra do Rio Grande do Sul um polo que atrai turistas do mundo inteiro, o estado agora é reconhecido pela fabricação de cerveja artesanal. Prêmios nacionais e internacionais e o boca a boca dos visitantes começam a atrair público ao bairro Anchieta, localizado na Zona Norte de Porto Alegre. É lá, em uma área de pouco mais de dois quilômetros, que estão instaladas nove microcervejarias. Juntas, produzem cerca de 100 mil litros da bebida por mês (confira abaixo o mapa com as empresas e o tipo de cerveja produzido).
Uma delas, a Tupiniquim, foi eleita a melhor cervejaria nacional do ano. A Seasons, com a sua BasiliCow, ainda emplacou a cerveja do ano no Festival Brasileiro da Cerveja, o principal do país, realizado em março, em Blumenau (SC). As duas fabricantes são vizinhas: dividem a mesma calçada.
Não raro, visitantes batem à porta dos pavilhões, erguidos no afastado bairro Anchieta, uma área quase integralmente industrial, vizinha do Aeroporto Salgado Filho, quase na saída de Porto Alegre. Meio que sem querer, o endereço transforma-se aos poucos em roteiro turístico cervejeiro alternativo.
“Não existe no Brasil um lugar assim, com essa proximidade. Isso tem de ser explorado”, empolga-se o empresário Rodrigo Ferraro, de 33 anos, um dos sócios da Irmãos Ferraro. “Queremos mostrar para as pessoas que aqui se fabrica a melhor cerveja do Brasil. Isso estimula a cultura cervejeira, só que tem de ser organizado. As fábricas são pequenas”, destaca.
Em novembro do ano passado, o grupo se uniu para criar um evento com comida, música e degustação das cervejas produzidas no polo. Mas até o momento ainda não há roteiros organizados percorrendo todos os estabelecimentos.
Um desses curiosos é o corretor de seguros Maurício Junqueira, 43 anos. Ele e outros dois amigos foram recebidos por Christian Bonotto, 41 anos, um dos cinco sócios da premiada Tupiniquim para conhecer a fábrica. Combinaram a visita por e-mail.
“Muitos 'paneleiros', que somos nós, sonham em ter uma produção maior de cerveja. É bom ver de perto como funciona”, diz ele, que faz cerveja na cozinha de casa com panelas de alumínio há cerca de três anos. Aos finais de semana, costuma produzir, como hobby, cerca de 40 litros da bebida. “É uma curtição”, afirma.
“Estive na Europa ano passado e tive o prazer de tomar bastante cerveja artesanal. Eles estão bastante adiantados em relação a isso. Mas eu diria que a nossa cerveja é surpreendente. Estamos muito bem servidos aqui”, destaca o visitante Junqueira, ao degustar um gole da Farmhouse Ale com framboesa, um dos lançamentos do ano da Tupiniquim.
A novata marca, além de ter conquistado o título de melhor cervejaria brasileira, também foi a vencedora da edição de 2014 do South Beer Cup, considerado a “Copa Libertadores da América” do ramo, realizado em Belo Horizonte (MG).
Bonotto, um dos sócios da Tupiniquim, festeja o repentino prestígio da marca criada há apenas um ano e meio, embora trabalhe no ramo cervejeiro há cerca de 10 anos. Tudo começou com uma importadora que distribuía rótulos estrangeiros para vários estados. Em julho de 2013, ele e os sócios passaram a produzir suas levas na Saint Beer, empresa localizada em Forquilhinha (SC). “Esperamos ficar pronto o pavilhão e nos mudamos pra cá”, detalha, sobre a instalação no Anchieta.
De um investimento de mais de R$ 2 milhões, surgiu a fábrica, que conta com um maquinário de primeira linha — cozinha, panelas e imensos tanques trabalham ao menos 14 horas por dia. Dali, saem cerca de 60 mil litros por mês. O resultado está nos 42 diferentes rótulos distribuídos.
“A gente preza muito pela qualidade e tenta ser ousado”, fala Bonotto sobre o produto, sem desviar o olho da caldeira onde produzia mais uma leva da bebida.
Da panela de casa à fábrica
A construção desse polo cervejeiro porto-alegrense é relativamente nova. Começou em 2010, com a instalação da Seasons. Em comum, as cervejarias têm a forma como começaram: em casa.
A poucas quadras da Tupiniquim, está a Baldhead. Surgiu em 2010, do outro lado da cidade, mas dois anos depois trocou a Zona Sul de Porto Alegre pelo Anchieta. Um mochilão pela Europa, com direito a visita à Oktoberfest de Munique, inspirou o início do negócio. Atualmente, a cervejaria tem seis rótulos e produz cerca de 15 mil litros por mês.
“O legal desse grupo do Anchieta é que todo mundo tem o mesmo objetivo como negócio: fazer cerveja diferente. Todo mundo tem a veia 'homebrew', que é de fazer cerveja em casa”, orgulha-se o empresário Filipo Andreolla, 29 anos, um dos donos da Baldhead.
História parecida tem a Babel. A fábrica ocupa a maior área entre as cervejarias do Anchieta: são 1,4 mil metros quadrados. De descendência alemã, Humberto Fröhlich, 36 anos, não nega que a origem familiar o influenciou. Proprietário de uma cervejaria na pequena Maratá, interior do Rio Grande do Sul, o bisavô não deixou legado físico, mas é lembrado pelo bisneto, que acabou largando a engenharia para abrir o próprio empreendimento.
Humberto Fröhlich é dono da Babel Cervejaria
(Foto: Rafaella Fraga/G1)
E o projeto também surgiu durante uma viagem à Alemanha, que despertou seu interesse em cerveja. “Primeiro quis aprender a fazer de verdade para depois abrir o negócio”, observa ele, que guarda livros sobre o assunto nas prateleiras do escritório.
Depois de inaugurar a fábrica no final de 2013, decidiu abrir um bar no boêmio bairro Cidade Baixa para ajudar a incrementar as vendas. “Nossa principal venda ainda é lá”, justifica. Bares derivados de cervejaria, porém, não são novidade no Rio Grande do Sul. Na década de 90, surgiu no mercado a Dado Bier, que reunia no mesmo lugar o bar e a fábrica.
Se faltar malte, não há problema
Apesar da proximidade e da concorrência reconhecida, afinal, todos trabalham com o mesmo produto, o negócio em comum se tornou uma parceria. Em alguns casos, até amizade.
“Não é uma concorrência de um puxar o tapete do outro. Volta e meia a gente come churrasco, toma um trago”, comenta Fröhlich. Essa cooperação entre as cervejarias faz com que as compras de alguns insumos sejam feitas em conjunto, barateando o frete e facilitando a distribuição das bebidas, por exemplo.
“Todos são cervejeiros caseiros que decidiram montar uma fábrica. A gente faz muita compra coletiva. Isso é excelente. Inclusive outras distribuidoras, de outros estados. Para eles o frete também fica mais barato. As empresas são concorrentes, mas são parceiras”, explica Ferraro, da Irmãos Ferraro.
Se antes era coincidência, hoje escolher o Anchieta para abrir um negócio no ramo tem uma razão. Parar ali é uma exposição privilegiada no ramo cervejeiro e facilita a interação entre os empresários. “Muita gente vem aqui para comprar cerveja e, muitas vezes, tem quem não saiba que há outras na região. Aí eu indico ou o cara vai em outra e é indicado para vir na minha. A gente estimula o pessoal a conhecer as outras cervejarias”, emenda Andreolla, que também nega que haja disputa pela clientela. "Quanto mais ele consumir cerveja artesanal, melhor para mim. Se ele entra nesse mundo, é um cliente em potencial”, esclarece.
Cervejas passam por inspeção a cada dois meses
(Foto: Rafaella Fraga/G1)
A preocupação dos cervejeiros do Anchieta é com os produtores caseiros, que não têm registro e vendem a bebida aos bares por preços reduzidos. “Estão entrando no mercado muitas cervejas 'clandestinas', que são cervejeiros que fazem em casa e vendem", reclama Ferraro. "Não posso vender cerveja sem registro. Hoje é moda fazer cerveja.”
A bebida que sai das torneiras das microcervejarias legalizadas passa por análises a cada dois meses. A de fabricação caseira não tem a mesma fiscalização. Todo o processo produtivo de uma cerveja artesanal recebe atenção especial, desde a escolha do estilo da bebida até o nome e rótulo.
"A cerveja tem uma infinidade de sabores e aromas que o vinho não tem. Você pode tomar uma com gosto de framboesa e outra com gosto de chocolate”, lista Andreolla.
Devido ao sabor mais sofisticado, as artesanais também se diferenciam das demais no bolso do consumidor. A maior parte é vendida por R$ 10 a R$ 30 o litro.
Detalhes: cervejas artesanais têm atenção do aroma ao rótulo (Foto: Rafaella Fraga/G1)
Fonte: G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar!
Cheers!
Ninkasi Beer Club