Ninkasi, a Deusa da Cerveja

Ninkasi é a antiga deusa sumeriana da cerveja, que transformou uma mistura de água e cevada em um líquido dourado, conhecido hoje como cerveja.

Era uma deusa muito popular que fornecia cerveja aos deuses. Ela era considerada a própria personificação da cerveja.

domingo, 17 de maio de 2015

A Cervejaria mais antiga em funcionamento no Brasil


Comprada pelo imigrante alemão Otto Loeffler nos anos 20, a cervejaria, batizada de Canoinhense em homenagem à cidade, Canoinhas (SC), mantém a mesma fórmula e o mesmo maquinário desde seu início. E por mais de 80 anos seu funcionamento se deu sob o olhar atento de Rupprecht Loeffler, filho de Otto, que acompanhou a cervejaria desde os 10 anos de idade. Falecido em 2011, aos 93 anos, o sr. Loeffler deixou muitos admiradores, e uma família que mantém vivo o seu legado. História, tradição e muita dedicação fazem com que a cervejaria mais antiga do Brasil possa seguir seu funcionamento até hoje. E manter as suas lendas de “cerveja falada”, ou seja, um testemunho vivo da história oral.

A história da Canoinhense começa em 1908. Pedro Werner e Otto Bachman fundaram a cervejaria Ouro Verde, que funcionou até 1912, ano do início da Guerra do Contestado, que atingiu Canoinhas (a cidade até é considerada o epicentro da Guerra, por ficar na divisa com o Paraná). Depois do fim da Guerra, em 1916, Pedro e Otto venderam o espaço para Luis Kaesemudel, que já tinha experiência no ramo e manteve a Ouro Verde até 1924. Nesse ano, em 1º de abril, Otto Leoffler comprou a cervejaria, por 110 contos de réis e 2 cavalos. “Senhor Otto, pai de Rupprecht, comprou a cervejaria no nome de seu filho Guilherme”, conta Gerda Loeffler, viúva de Rupprecht, que hoje mantém a cervejaria em funcionamento. “Trabalharam 10 anos juntos. A cervejaria passou por ampliações e reformas após ser adquirida por ele. Quando Otto comprou a cervejaria Ouro Verde, havia só a parte baixa da cervejaria, e a parte restante foi construída no mesmo estilo. No início da década de 1930, a cervejaria passou a ser denominada Cervejaria Canoinhense, fazendo jus ao nome da cidade”. Como imigrante alemão, Otto Loeffler veio para o Brasil no final do século XIX. Trouxe o maquinário da cervejaria direto da Alemanha, ainda em uso. Importou também as técnicas do país: sua cerveja segue a Reinheitsgebot, ou Lei de Pureza Alemã, aplicada até hoje. “Tudo continua como antes”, afirma Gerda, companheira constante do trabalho do marido. A sua afirmação é a mais pura tradução da essência do trabalho da Canoinhense: tradição. Tradição que Rupprecht Loeffler conheceu ainda menino – desde cedo soube que a cerveja faria parte de sua vida. Conhecer a história da cervejaria implica conhecer a do mestre cervejeiro.

O mestre Rupprecht Loeffler e suas histórias

A história da vida de Rupprecht Loeffler se mistura com a da cervejaria. No documentário “Cerveja Falada” (ver box), sobre a Canoinhense, Loeffler conta muitas histórias, como a que seu pai dava cerveja às crianças, na falta de leite. “Dá chope pra essa piazada aí! E nós, desde pequenos, tomavamos cerveja”. Lembrando que na Alemanha a cerveja é tratada como alimento, “pão líquido”. Desde os 10 anos Loeffler já acompanhava o trabalho do pai, quando andava pela cervejaria. No documentário “História da cerveja em Santa Catarina” Loeffler diz que em resposta à pergunta do pai sobre o que ele queria ser vida, a resposta veio rápida: “‘Quero ser cervejeiro como o senhor”. Ao que, então, respondeu seu pai: “Então eu vou te ensinar. Você tem que trabalhar três anos aqui para aprender a profissão. E não ganha nada’”, conta, com muito bom humor. Loffler aprendeu com o pai as técnicas, que seriam mantidas e passadas aos funcionários da cervejaria. Hoje são esses funcionários, juntamente com Gerda Loeffler, que mantêm a produção. Em 1938, Loeffler comprou a parte do irmão e seguiu com a cervejaria. O velho Otto também previu a Segunda Guerra Mundial e se antecipou na compra de um grande estoque de lúpulo, na época importado da Alemanha, via Rio de Janeiro. “Aí os vizinhos disseram: o Loeffler ficou louco, comprou tanto lúpulo, encheu o paiol e a cervejaria, tudo com lúpulo’”, disse o filho mais tarde. Medida acertadíssima: com o início da guerra, em 1939, a travessia pelo oceano foi bloqueada por ingleses, e a Canoinhense era a única cervejaria com estoque para produzir cerveja.

O cervejeiro caçador

Quando a Segunda Guerra acabou, em 1945, a produção de cerveja em Santa Catarina – feita em sua maoria por imigrantes europeus – diminuiu. A maior parte dos descendentes dos cervejeiros migrou para outras áreas de produção. Mas Rupprecht Loeffler seguiu com a Canoinhense durante toda a vida. No ano do fim da guerra, em março, Loeffler casou-se com Gerda Stein, com quem viveu por 65 anos. Gerda sempre acompanhou o marido, especialmente na parte administrativa. “Enquanto tinha saúde, ele atendia os fregueses com muito carinho, os empregados e todos os que ajudavam. A vida de Rupprecht Loeffler era a cervejaria, sua esposa e seus filhos”, conta Gerda. “E, claro, as caçadas também, na época em que permitiam”. A paixão de Loeffler pelas caçadas é visível logo na entrada da Canoinhense. A sala de recepção é toda decorada com animais empalhados ou em potes de formol. Macacos segurando um cigarro ou uma cuia de chimarrão, tamanduás, berrantes, peles de animais, capivaras e passáros de diversos tipos. Também são exibidas cobras em potes de formol e o item mais famoso da coleção: um porco de duas cabeças.

Loeffler tomava dois litros de cerveja por dia. No documentário, ele afirma: “Cerveja faz bem pra saúde. O médico é que me disse: “a tua cerveja é uma cerveja medicinal, quem toma essa cerveja não precisa de remédio de farmácia”.” Nos anos 80, ele recebeu o título de cidadão honorário de Canoinhas. “Ele foi bem reconhecido, ganhou muitas homenagens em jornais, revistas, título de cidadão honorário, e aos 92 anos foi homenageado pela Câmara com o selo. Quando faleceu, o prefeito Leoberto Weinert decretou três dias de luto”, conta Gerda. Aquele que era considerado o mestre cervejeiro mais antigo do Brasil.

A cervejaria hoje e a identidade cultural da cidade e região

A fábrica de tijolos à vista da Canoinhense está no mesmo lugar desde a época em que ainda era a Ouro Verde, antes de ser comprada pela família Loeffler. Atualmente, a cervejaria produz cerca de três mil garrafas por mês, seguindo o método artesanal. As quatro cervejas – Jahú, Nó de Pinho, Mocinha e Malzbbier – são vendidas apenas na fábrica.

A cervejaria ajudou a construir parte da identidade cultural da região. Canoinhas foi colonizada por vários povos, e tem na cervejaria seu legado alemão. A Canoinhense é umas das atrações mais procuradas da cidade, também famosa pela erva mate e pela Guerra do Contestado. “Como é um ponto turístico, vem gente de todo o Brasil e até do exterior para conhecer. E como é a cervejaria mais antiga em funcionamento, senti por bem continuar”, conta Gerda que aos 88 anos, mantém vivo o legado do marido, acompanhada por funcionários, alguns na cervejaria há mais de 20 anos, como Tadeu Massaneiro. “Eles não querem parar. Tem 60 e poucos anos, e é a alegria da vida deles, porque eles têm contato com o público junto”, diz Gerda. Tadeu e o irmão, Raul Massaneiro, são os responsáveis pela fabricação das cervejas.

As cervejas Loeffler

Todas as cervejas Loeffler têm em torno de 3% de teor alcoólico, marca menor que as de fabricação industrial que variam de 4% a 5%. São cervejas mais ácidas e azedas, com notas de madeira causada pela maturação nos barris de carvalho. Uma de suas características é a espuma, considerada fundamental por Loeffler. “Quando conservar a espuma, daí é sinal que é cerveja boa!”, diz no documentário “Cerveja Falada”. A Jahú é uma cerveja blonde ale. Gerda conta que a Jahú tem esse nome “em homenagem à travessia do Oceano Atlântico efetuada por João Ribeiro de Barros em um pequeno hidroavião chamado Jahú, da cidade de Jahú, interior de São Paulo”. A cerveja se chamava Cristal, e Otto Loeffler rebatizou-a em 1927. Rupprecht já ajudava na cervejaria nessa época. A Nó de Pinho é uma cerveja ale, amarga e preta, feita com maltes torrados. Se chamava Sport, mas foi rebatizada depois da insistência de alguns visitantes. “Naquela época meu pai comprava muito nó de pinho, que era um combustível para cozinhar a cerveja”, conta Loeffler no documentário. “Uns portugueses achavam que faziam a cerveja do nó de pinho, sabe? Preparando com o nó do pinheiro, por ela ser preta. Então o pessoal falava que não era, que eles faziam a cerveja preta, claro, como todas, com cevada e lúpulo. Mas eles não se conformaram enquanto não passou o nome da cerveja preta, amarga, para Nó de Pinho. E o nome está até hoje”, conta Gerda. A Mocinha é uma amber ale, cerveja clara, mais suave e doce, feita com a ideia de atender o público feminino, e a Malzbbier é uma cerveja preta, bastante adocicada. Todas são de alta fermentação.


Cerveja Falada: a Canoinhense ganha o Brasil

O documentário foi produzido pela Exato Segundo Produções Artísticas, e dirigido por Demétrio Panarotto, Luiz Henrique Cudo e Guto Lima. “Cerveja Falada” foi premiado no edital Prêmio Cinamateca Catarinense/Fundação Catarinense de Cultura, de 2008, rodou em Canoinhas em junho e julho de 2009. A obra foi fi nalizada em Florianópolis e estreou em agosto de 2010. O documentário tem duração de 15 minutos, e conta um pouco da história e do cotidiano de Rupprecht Loeffl er e da Canoinhense. “História da cerveja de Santa Catarina” é de 2007, também pela Exato Segundo, com direção de Andreas Peter para o projeto “Santa Catarina em Cena” (RBS/ TV), e acompanha os extras do “Cerveja Falada”. Foi onde surgiu a ideia de um documentário sobre a Canoinhense, diz Guto Lima, um dos diretores. “A Canoinhense é uma jóia, uma raridade. A fi gura do seu Rupprecht pedia um documentário. Que bom que conseguimos o fazer com ele ainda em vida. A cervejaria continua sendo importante – um símbolo de resistência à velocidade dos novos tempos”.

Fonte: Revista da Cerveja

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