Mas vem a ocupação alemã. Da primeira vez, na I Guerra, os alemães roubam o material para produzir cerveja e também o queijo que aqui se fazia. E da segunda vez, já nos anos 1940, põem definitivamente fim à produção de cerveja dentro dos muros da abadia. Apesar disso, os monges nunca perderam a receita — a chamada Formula Antica Renovata — e nos anos 50 começam a negociar com uma cervejeira próxima para a passar. É essa cervejeira, agora também propriedade de Heineken, que produz actualmente a Affligem, de acordo com a receita original (e com a bênção) dos monges.
E assim renasceram as três cervejas clássicas da abadia: a Blonde, a Double e a Triple. A Blonde é a única que está à venda em Portugal, onde foi lançada em Abril de 2014 na barbearia O Purista, em Lisboa, antigo alfarrabista que foi inicialmente um espaço pop-up para a Affligem e acabou por se transformar mesmo num bar. Hoje a cerveja já está em cerca de 70 espaços “embaixadores” em Portugal, grande parte dos quais restaurantes, porque a ideia é mostrar o potencial gastronómico da Affligem.
Blonde, Double, Triple
O sommelier Matthias Lataille vai, durante um jantar no restaurante La Quincallerie, em Bruxelas, explicar-nos as diferenças e mostrar-nos o ritual que rodeia o consumo da Affligem. Para isso precisamos de dois copos, um maior, para “o corpo”, e outro mais pequeno, para “a alma”. Começamos por deitar a cerveja no copo maior, o que, com a inclinação e à velocidade certas, deverá resultar num copo com uma espuma perfeita de cerca de dois dedos. Na garrafa terá ficado nessa altura cerca de 10% da cerveja. Devemos então rodar a garrafa, mas sem a agitar excessivamente, para “libertar a alma”, e deitá-la no copo mais pequeno.
Há uma explicação para isto, claro. É que a Affligem é uma cerveja de dupla fermentação — há uma primeira fermentação no processo normal e a segunda acontece já dentro da garrafa durante 14 dias (só é posta à venda dois meses depois de terminado este processo). No fundo da garrafa fica, por isso, um pouco da levedura adicionada para a segunda fermentação e é ela que dá a “alma” à cerveja, que no copo pequeno se revela mais baça e turva, com um gosto distinto e intenso.
Enquanto a Blonde e a Double têm 6,8 graus, a Triple sobe para os 9 graus. Com mais malte e mais lúpulo, é uma cerveja de maior intensidade. No século XVI entrou em vigor a proibição de os monges beberem esta cerveja mais pesada, mas o então arcebispo-abade Jacobus Boonen percebeu que ainda estavam a ser produzidos alguns barris de Triple e estabeleceu uma norma: os monges podiam beber apenas cerveja escura (a Double) durante o Inverno e clara (a Blonde) no Verão. Apesar disso, a receita da Triple resistiu e chegou até aos nossos dias.
Hoje o ambiente na abadia é muito diferente do que terá sido nesses dias do século XVI, quando um dos irmãos era capaz de partir a sua caneca na mesa do refeitório em protesto contra uma ameaça de restrição no consumo de cerveja. “Actualmente a idade média dos monges é de 83 anos”, conta o nosso guia, Ben. “E há apenas dez monges em Affligem, enquanto em 1934, por exemplo, havia mais de 50. É uma situação dramática.”
Continua no próximo post.
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