Madeira é o melhor meio de transporte

Reproduzo aqui um ótimo texto que foi escrito pelo meu amigo Glauco Ribeiro do Blog Palavra Maltada.

Uma das coisas que mais me intrigam é a capacidade que a madeira tem de transportar. Conduzir de forma eficiente aquilo que desejamos pelo tempo e espaço. Tempo distante em que as cervejas eram trazidas em barris de madeira. Junto a esta prática, novos aromas e sabores foram adicionados a esta bebida viva, que parece se moldar conforme a contribuição do ambiente. Isso resulta nas mais diferentes experiências que tanto gostamos e na sua durabilidade. Uma cerveja envazada em um barril em comemoração ao nascimento de uma criança pode ser bebida anos depois, quando ela começar a falar. E, através dos anos, também o envolvimento e desenvolvimento de técnicas são usadas até os dias de hoje. 

Nossas casas, garfos, colheres, escudos, estacas, espadas e muitos outros utensílios eram de madeira, incluindo os primeiros meios de transporte, as charretes, os carros, as canoas e até mesmo o avião. Mas, esta capacidade de transportar vai além do que possamos imaginar. O som que sai da guitarra é transportado aos nossos ouvidos pelos captadores cravados nela, traduzindo o que o som faz no corpo amadeirado. Os “aromas” e “sabores” das músicas levam este tempero. Tenho certeza que não conseguirá sentir os efeitos da lignina (macromolécula vegetal) nas músicas que degusta. Porém, o ataque da nota, sustentação e o decaimento de cada uma delas podem ser percebidos por aqueles ouvidos mais atentos. Tudo em uma guitarra é planejado de acordo com a intenção do luthier. O braço, o corpo, o tampo do violão, enfim, cada parte responderá ao estímulo físico para gerar as intenções sensoriais do luthier. 

Intenções praticadas pelos cervejeiros também. A notas quase musicais de baunilha, cassis e ameixas vinda daquelas cervejas envelhecidas em barris de carvalho nos trazem uma sensação agradável. E, em uma agradável coincidência sobre tema, descubro que a madeira tipo maple pode ser usada para construção de guitarra e de barris para bebidas. Com isso, o instrumento e a cerveja recebem uma nova personalidade, como se criasse um novo ser e lhe colocasse uma alma singular, que pode ser comparada àquela peça de mesmo nome, de cerca de 10 centímetros, colocada, no interior do violino, que traz os agudos deste instrumento e alivia a pressão das cordas. Já imaginou um violino tocado sem cordas? Impossível.Violino sem alma é um cadáver. 

Mas, como a música, a cerveja é naturalmente dinâmica. Quase incontrolável. Disse quase. Talvez, toda tecnologia desenvolvida para música a deixe mais digital e menos sensorial. Calma, explico. Com o desejo de comprimir a música e torná-la portátil, muitos de seus harmônicos formam perdidos, segundo estudiosos desta área. O mesmo acontece com a cerveja. Acredito que vivemos numa crise de produção de alimentos e consequentemente de alimentação, transformando a cerveja em um produto mais “digital” e menos sensorial. E, por este motivo, toda a cadeia de produção de instrumento e de cerveja artesanal são bem-vindos. Nos transporta pelos séculos, espaços e tempos contidos, dentro de nós. Sugeri várias formas para que se transporte através da madeira contida na música que ouve e na cerveja predileta. Agora, pense e escolha veículo e o destino da sua viagem.