As aquisições da fabricante da Budweiser estão atrapalhando a movimentação do mercado artesanal
Depois de 19 anos administrando a Elysian Brewing, uma fabricante de cervejas artesanais em Seattle, o CEO Joe Bisacca estava pronto para uma mudança. Ele estava cansado de se preocupar com folhas de pagamento, sentia-se culpado pelo plano sofrido da companhia e tentava manter o ritmo de produção com a demanda incessante pelas cervejas de nomes irreverentes da Elysian, como Space Dust, Superfuzz, Mens Room e Loser Pale Ale. A última foi inspirada pela banda de grunge Nirvana e carrega o slogan “cerveja corporativa ainda é horrível”.
Então ele e dois sócios, David Buhler e Dick Cantwell, conversaram sobre vender a empresa. Em pouco tempo eles estavam em contato com Andy Goeler, CEO para cervejas artesanais da divisão Anheuser-Busch da AB Inbev. A parceria entre a Elysian e a AB Inbev pode parecer inusitada. A AB Inbev, maior companhia de cervejas do mundo, produz a Budweiser e sua marca irmã, a Bud Light, o tipo de produto que ganha o “dedo do meio retórico” da Loser Pale Ale. A AB Inbev também é uma podadora de custos assídua. Isso não parecia uma boa notícia para os 27 funcionários da Elysian.
Ainda assim, os fundadores seguiram com o plano, em parte porque Goeler, ex-diretor de marketing da Bud Light, garantiu a eles que a companhia não pretendia realizar grandes mudanças na Elysian, cujas vendas saltaram 31% no ano passado, de acordo com o grupo de pesquisa de mercado IRI. De fato, Goeler queria que eles continuassem gerindo a companhia. “Conversar com Andy me deixou mais seguro a respeito disso”, diz Bisacca. “Eles não precisam de uma cervejaria de 100.000 barris. Eles buscam confiança. Eles querem as pessoas que criam essas receitas e essas marcas”.
A compra da Elysian pela AB Inbev por uma quantia não revelada em janeiro teve alguns pontos de dificuldades. Consumidores nervosos registraram sua insatisfação na página de Facebook da marca. “Eles já perderam alguns clientes”, diz Kendall Jones, produtor do Washington Beer Blog em Seattle. “Geeks de cerveja tomaram uma atitude: ‘definitivamente não vamos apoiar a AB Inbev’”. Em abril, Cantwell saiu da Elysian, dizendo que ele nunca quis vender a empresa mas seguiu em frente porque perdeu a votação para seus sócios.
Bisacca não lamentou. Ele gosta do fato de que a Elysian pode continuar crescendo usando o dinheiro da AB Inbev em vez de tomar empréstimos bancários. Ele está satisfeito que as cervejarias tenham acesso à fazenda da multinacional em Idaho. A Elysian continuará fabricando a Loser. E graças à AB Inbev, suas cervejas em breve serão vendidas em Fairfeld, onde os pais de Bisacca moram. “Eu quero que meu pai possa comprar minha cerveja no mercado da esquina”, ele disse em abril na Conferência de Cervejas Artesanais em Portland. “Eu perguntei a eles ‘vocês podem fazer isso?’ e eles disseram que sim”.
Desde 2011, a AB Inbev comprou quatro fabricantes de cervejas artesanais dos EUA: Goose Island Brewering em Chicago; Blue Point Brewing em Nova York; 10 Barrel Brewing em Oregon; e a Elysian. Goeler diz estar de olho em outras. A indústria artesanal não tem o que temer, ele diz; sua companhia está comprando empresas pequenas para satisfazer as mudanças nos gostos dos consumidores. No ano passado, o volume de vendas da AB Inbev na América do Norte, seu maior mercado, caiu 1,3%, em parte por conta da queda de popularidade da Budweiser, cujas entregas caíram 4,8% em 2013, de acordo com a Beer Marketer’s Insights. A Bud Light continua sendo a cerveja mais popular dos EUA, mas suas entregas a varejistas caíram 3,9%. Carlos Laboy, analista que cobre a AB Inbev no HSBC, aplaude a companhia por comprar cervejeiras jovens como a Elysian. “É a coisa certa a se fazer”, ele diz.
Para o movimento clubista das cervejas artesanais, entretanto, as aquisições são inquietante. Cervejeiros artesanais criaram um nicho próspero; seu volume cresceu 18% no ano passado, enquanto a indústria no geral praticamente não mudou. E eles fizeram isso se posicionando como oprimidos em uma guerra de grandes corporações, principalmente a AB Inbev.
Os nanicos não são necessariamente tão pequenos mais. Jim Koch, CEO da Boston Beer, maior companhia de cervejas artesanais, de acordo com a IRI, é bilionário. Assim como Ken Grossman, fundador da Sierra Nevada Brewing, a segunda maior. Ainda assim, a difamação da AB Inbev pelas cervejeiras artesanais e seus clientes continua.
A Associação de Cervejarias, grupo de comércio da indústria artesanal, possui requerimentos específicos para desencorajar seus membros votantes de vender seus negócios a qualquer fabricante grande de cervejas. Eles são impedidos de fabricar mais de 6 milhões de barris por ano e de vender uma fatia maior que 25% de sua empresa a uma cervejeira não-artesanal. Nem sempre as regras são necessárias. “Há muitas cervejarias artesanais que nunca venderiam à AB Inbev, mesmo se oferecessem quantias absurdas de dinheiro”, diz Townsend Ziebold, sócio administrativo do First Beverage Group, banco de investimento que aconselha muitas das melhores fabricantes de cervejas artesanais no mercado.
Mas o número de puristas está diminuindo. Companhias de cerveja estrangeiras estão os engolindo. Em 2013, a Duvel Moortgat, da Bélgica, comprou a Boulevard Brewing. Em dezembro do ano passado, a Mahou San Miguel, maior fabricante de cerveja da Espanha, adquiriu 30% da Founders Brewing. “Nós costumávamos conhecer todo mundo no mercado”, diz Larry Bell, fundador da Bell’s Brewery. “O que eu penso a respeito da situação atual é o seguinte: estamos no meio do fim do início da cervejaria artesanal. Todas as pioneiras estão ficando velhas, e eles precisam de uma estratégia”.
Ninguém está investido em cervejas artesanais com tanta agressividade quanto a AB Inbev. Algumas fabricantes artesanais dizem que a companhia quer inundar o mercado com suas próprias cervejas e confundir consumidores que procuram por alternativas à Budweiser. Outros dizem que a companhia quer fazer mais do que agradar fãs de cervejas – ela quer tirar seus rivais do mercado. Tony Magee, fundador da Lagunitas Brewing na Califórnia, diz que a AB Inbev está vendendo barris de Goose Island por metade do que seus competidores livres cobram por seus produtos. “O que eles realmente querem é perturbar o mercado artesanal”.
Outras cervejarias derreteram nos braços da AB Inbev. Em fevereiro de 2014, a companhia comprou a Blue Point por um valor não divulgado com pouca polêmica. Em novembro, foi a vaz da 10 Barrel, conhecida por suas máquinas de cervejas promocionais que dispensavam gratuitamente uma cerveja gratuita chamada Swill. Os clientes gostavam desse altruísmo. Em 2014, as vendas da 10 Barrel aumentaram 72% ante 2013.
Goeler deixou claro que queria que os fundadores da 10 Barrel Chris e Jeremy Cox e Garrett Wales permanecessem por perto depois de fechar o acordo. “Quando começamos as conversas, a resposta que tínhamos era ‘bem, não faríamos isso se quiséssemos sua saída’”, diz Wales. A AB Inbev descontinuou as máquinas da Swill.
Alguns consumidores ficaram furiosos com a venda da 10 Barrel. “Fãs de cerveja que realmente apoiavam a companhia estão evitando como praga agora”, diz Larry Sidor, mestre cervejeiro do Cruz Fermentation Project. Goeler espera que os fãs mudem de ideia quando souberem sobre os novos equipamentos chiques que a empresa adquiriu.
O acordo da Elysian seguiu em janeiro. Parecia estar tudo sob controle até a unidade Budweiser da AB Inbev fazer um anúncio no SuperBowl que fazia piada com cervejas artesanais. A comunidade das cervejas artesanais ficou ultrajada, mas os mais ofendidos foram os funcionários da Elysian.
A marca artesanal realiza um festival anual, que colocou Goeler em uma posição complicada. Ele passara boa parte de sua carreira vendendo Budweiser, mas agora as coisas eram diferentes. “Eu sou o cara da cerveja artesanal”, ele diz. “Então eu estava meio ‘meu Deus’. Agora temos mais de 600 funcionários que fabricam cervejas artesanais. Era um desafio em minhas mãos, para dizer o mínimo. Eles todos queriam saber o que estava acontecendo”. Goeler contestou a equipe a respeito do anúncio, e a resposta foi “bom, achamos que seria uma boa ideia”.
Bisacca é o que se parece mais com o homem de negócios ao falar sobre o assunto. Ele não acha que os caras da Bud fizeram algo errado. “Estivemos cutucando a Bud todos esses anos, e eles disseram algo sobre nós”, ele disse aos funcionários da Elysian. Logo depois disso, segundo Bisacca, Brito realizou um tour pela Elysian. Bisacca o chamou de lado: “gostaria de tentar um produto que temos”.
Os homens riram conversando sobre a controvérsia, mas infelizmente a história não acabou por aí. O co-fundador da Elysian, Cantwell compareceu a uma partida do SuperBowl e achou o anúncio difícil de engolir. Logo depois disso, ele assinou sua demissão.
Goeler lamenta a saída de Cantwell, mas se orgulha do fato de ele ser o único dos 217 funcionários da elysian a sair por causa da compra da AB Inbev. “Dick Cantell queria se envolver e simplesmente mudou de ideia. Tudo bem”, disse Goeler. “Nós temos Joe e Dave, que ainda querem estar envolvidos ativamente”. Ele diz que sua missão é preservar as culturas dessas cervejarias, o que significa manter a liderança intacta, se possível.
Goeler diz que a ilha Goose tornou-se um tipo de modelo para o resto da AB Inbev e que pessoas de outras partes da companhia visitam Chicago. No ano passado, o conselho da AB Inbev passou uma tarde descascando laranjas na fábrica, um dos ingredientes da cerveja chamada Sofie, que a cervejeira diz que vai bem com frutos do mar e queijo brie. Segundo Goeler, os visitantes ficam fascinados com a rapidez com que a empresa consegue colocar novas cervejas no mercado, tomando decisões com base nas recomendações de Porter e observando o resultado com os consumidores.
Reportagem de Devin Leonard
Traduzido por Paula Zogbi
Fonte: InfoMoney
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